Recessão, e os Efeitos de Longo Prazo

Publicado na Revista Política Democrática em 15 de Setembro de 2020

Não há solução econômica, sem prévia solução sanitária

(Benito Salomão, junho de 2020)

A sentença acima, com aspecto de profecia, foi escrita em junho deste ano, no meu artigo intitulado “Onde estará o Brasil no Novo Normal?” publicado na edição 20 da Revista Política Democrática. Dois meses se passaram, e o IBGE tornou conhecido o número do PIB referente ao 2° trimestre do ano. Como esperado, a atividade desabou 9,7% em relação ao 1° trimestre deste ano e 11,4% quando comparada a igual período de 2019. Isto, no entanto, não é nem de longe o maior dos problemas do Brasil, já que a recessão de 2020 já estava dada no contexto da pandemia do Coronavírus. O que é realmente grave, é que simultaneamente à queda de 11,4%, houve um total de 4 milhões de casos da doença e mais de 120 mil óbitos, até o presente momento.

O governo brasileiro, na esteira do terraplanismo sanitário que assolou alguns poucos países no mundo, optou pela adesão à narrativa cretina de que as recomendações de isolamento social derrubariam a atividade e os empregos. Ignoraram o fato de que o colapso do comércio internacional derrubaria as economias mundo a fora e que a nossa atividade econômica seria prejudicada mesmo que o isolamento social não se verificasse. Optou-se por um modelo capenga, em que nem o isolamento social se deu em plenitude e nem as atividades produtivas funcionaram em plena capacidade. Resultado? Dois trimestres consecutivos de queda no PIB, um desemprego que atinge 12,8 milhões de trabalhadores, além outros 13,5 milhões de desalentados ou subocupados, uma redução de 5,6% na massa de rendimentos das famílias. Tudo isto somado, evidentemente, aos já citados 120 mil óbitos evitáveis.

Voltando ao PIB, os problemas econômicos quantificados recentemente se somaram aos problemas acumulados ao longo de uma década, entre 2011 e 2020 o Brasil deve apresentar uma taxa média de crescimento de 0% ou um pouco menos. O dado do segundo trimestre não assusta apenas pela magnitude de uma queda histórica de 11,4%, que contempla em um único trimestre um efeito maior do que toda recessão de 2014 – 2016 que durou 11 trimestres. O maior problema do resultado conhecido do PIB é o contexto de ausência total de um plano de reestruturação econômica, no qual ele está submerso e isto indica que o Brasil continuará em uma trajetória medíocre de crescimento ao longo da próxima década.

O orçamento enviado para apreciação do Congresso no final do mês de agosto, prevê um crescimento de 3,2% do PIB em 2021 (pasmem, ainda assim o déficit primário estimado é de R$230 bilhões). Este crescimento não irá acontecer, mesmo com o carregamento estatístico natural de períodos recessivos cuja base anterior é demasiadamente baixa. O mais provável é que o PIB 2021 continue a trajetória tal como vinha se comportando antes de 2020, entre 1 ou 1,5%. Uma mini recuperação cíclica não substitui uma estratégia para reverter o atual cenário de estagnação decenal da economia brasileira.

Os países desenvolvidos e alguns emergentes como China e Vietnã estabeleceram o seu próprio padrão de recuperação da crise econômica proveniente do Coronavírus. Na Europa e outros desenvolvidos de alinhamento ocidental como Canadá e Austrália decidiram que o novo padrão de desenvolvimento se dará com base na sustentabilidade, na recuperação de biomas e ecossistemas com vistas a frear o aquecimento global. Enquanto isto, no Brasil, há claros estímulos ao desmatamento com vistas a beneficiar setores de baixa produtividade e irrelevantes do ponto de vista dos retornos de escala. Mesmo na Ásia, emergentes como a China e o Vietnã estimulam reformas para reeditar o modelo sul coreano educando a população e investindo em ciência de auto impacto, enquanto isto, no Brasil, crianças ainda estão sem aulas e se presencia a priorização da defesa no orçamento em detrimento da educação.

Os movimentos que o mundo faz, somados aos movimentos que o Brasil vem fazendo, mostram que a defasagem tecnológica do país em relação aos principais parceiros deverá se ampliar. Consequentemente, o mundo deverá crescer a uma determinada taxa média, enquanto o Brasil deverá crescer abaixo desta taxa. Em outras palavras, o país não está ficando apenas mais pobre do ponto de vista absoluto, mas também está ficando mais pobre em termos relativos e a população brasileira, salvo um pequeno percentual da elite, não terá acesso, no médio prazo, ao padrão de renda e consumo dos países desenvolvidos. É preciso reverter esta trajetória de estagnação.

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